21 de março de 2012

A primavera que se lixe, hoje é dia da Poesia IV

"Como se desenha uma casa
 Primeiro abre-se a porta
 por dentro sobre a tela imatura onde previamente
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
 a mãe para sempre morta.

Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
 iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.

Protege-te delas, das recordações,
dos seu ócios, das suas conspirações;
usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos:
o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.

Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso."

Manuel António Pina

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